Playlist 1 – Histórias Improváveis no Mundo da Música | guia comentado de audição
Autor: Johann Sebastian Bach (1685-1750) | compositor alemão nascido em Eisenach a 31 de março de 1685 e falecido em Leipzig a 28 de julho de 1750.
Música selecionada: “La Badinerie” da Suíte Orquestral N.º 2 para flauta e cordas, BWV 1067 [aceder].
Comentário: Johann Sebastian Bach era um homem prático. No seu tempo, era mais conhecido como organista do que como compositor. Para ele a música era uma arte que requeria sobretudo treino e não tanto inspiração. Boa parte das suas obras foi concebida como um exercício orientado por uma lógica clara: será possível inverter um acorde e regressar a ele? E se tocarmos esta melodia de trás para a frente? E se dividirmos a harmonia por vários naipes? Esse jogo com os ingredientes da música sobressai nomeadamente nas suas quatro suítes orquestrais, música concebida para dançar ao estilo da época. Se hoje escrevêssemos uma suíte, nela incluiríamos, por exemplo, hip hop, swing ou funaná. As danças, na era de Bach, sob a influência do estilo barroco francês, incluíam rondós, minuetes e… badineries, uma expressão francesa que significa “dança curta e animada” ou “bagatela divertida”. A badinerie da 2ª suíte ficou famosa por exigir bastante destreza do flautista.
Autor: Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) | compositor austríaco nascido em Salzburgo a 27 de janeiro de 1756 e falecido em Viena a 5 de dezembro de 1791.
Música selecionada: “Pequena Serenata Noturna” K525 [aceder].
Comentário: Mozart foi um dos primeiros meninos prodígio da história da música. Tendo o pai como professor de música, Mozart escreveu aos 5 anos a primeira peça para cravo, aos 8 a primeira sinfonia, aos 12 a primeira missa, e aos 14 concluiu a primeira ópera. Tinha pois o hábito de conceber obras em tempo record, sempre por impulso e com muito poucas emendas. Assim se explica que, em 30 anos, tenha composto nomeadamente 22 óperas, 41 sinfonias e 75 sonatas para vários instrumentos. Para além da sua energia, Mozart tinha também um caráter divertido e atrevido, não se coibindo de contar anedotas ou de fazer comentários irónicos mesmo diante de figuras importantes do clero e da realeza austríacas. Algumas das suas obras só ficaram conhecidas bem depois da sua morte. É o caso da Pequena Serenata Noturna, uma pérola musical recheada de belas e sorridentes melodias, tão sedutoras que explicam o facto de este ser o mais famoso pedaço musical de todo o legado de Mozart.
Autor: George Bizet (1838-1875) | compositor francês, especialista em óperas, nascido em Paris a 25 de outubro de 1838 e falecido em Bougival a 3 de junho de 1875.
Música selecionada: “Carmen” é uma ópera em quatro atos que estreou em 1875, no Ópera-Comique de Paris [aceder].
Comentário: Georges Bizet, filho de um barbeiro, sofreu bastante por não ter sido reconhecido como compositor durante a sua vida. O percurso pessoal também não ajudou. O casamento foi seriamente afetado por uma crise depressiva da mulher após rumores de um caso amoroso entre o marido e uma cantora. O casal separou-se e para Bizet restava apenas a música. Aos 36 anos estreou Carmen, a sua derradeira ópera. Os comentários da crítica foram impiedosos. O enredo foi considerado imoral porque a personagem principal, a cigana Carmen, reclama o direito de trocar de amante obedecendo apenas ao seu instinto amoroso. O amor é um pássaro rebelde que não conhece regras, canta a fogosa mulher. Mas nem o enredo nem a música entusiasmaram os impiedosos críticos. Três meses depois, Bizet adoeceu e morreu, infeliz e frustrado. Só anos mais tarde é que este compositor viu a sua obra reconhecida, até ao ponto de Carmen ser considerada a ópera mais popular da História da Música.
Autor: Giuseppe Fortunino Francesco Verdi (1813-1901) | compositor italiano. Nasceu em Roncole a 10 de outubro de 1813, tendo falecido em Milão a 27 de janeiro de 1901.
Música selecionada: “Coro dos escravos hebreus“, terceiro ato da ópera “Nabucco”, estreou a 9 de março de 1842, no Teatro alla Scala de Milão [aceder].
Comentário: Nabucco foi o primeiro grande sucesso do italiano Giuseppe Verdi como compositor de ópera. O enredo de inspiração bíblica descreve a parte final do reinado de Nabucco, rei da Babilónia, incluindo a saga da sua perseguição aos escravos hebreus. Acontece que em 1842, ano da estreia, o norte de Itália estava sob ocupação austríaca, e o público de Milão logo descobriu uma analogia entre o povo italiano e os escravos que, a meio do terceiro ato, sonham com a liberdade. Va pensiero, vai pensamento, nas tuas asas douradas e poisa lá nas colinas da nossa doce pátria. O coro, numa melodia solene e intensa, representa o ideal dos oprimidos, e Verdi, com esta ópera, passa a encarnar o sentimento nacionalista dos italianos. O sucesso de Nabucco foi apenas um de muitos outros que se seguiram. Verdi escreveu ao todo 25 óperas e ainda hoje é admirado em Itália não como um compositor erudito mas sim como um autor popular que captou com a sua música a essência de um povo.
Autor: Peter Ilytch Tchaikovsky (1840-1893) | compositor russo nascido a 7 de maio de 1840 em Wotkinski e falecido em São Petersburgo a 6 de novembro de 1893.
Música selecionada: “Valsa das Flores“, do ballet “O Quebra-Nozes”. Estreou no Teatro Mariinsky em São Petersburgo, capital da Rússia Imperial, a 17 de dezembro de 1892. É baseado no conto de Hoffmann, “O Quebra-Nozes e o Rei dos Ratos” [aceder].
Comentário: Há quem o considere o maior melodista da História da Música. E contudo morreu numa relativa solidão, famoso mas alvo de intrigas que lhe atribuíam um caso amoroso com outro homem após um casamento falhado. Tchaikovsky chegou, porém, a ser mimado pela alta sociedade. Foi de resto o primeiro compositor russo com projeção mundial. A sua capacidade para aproveitar os diferentes timbres de orquestra e o tal condão melódico geraram algumas das obras mais notáveis do período romântico. Entre elas contam-se diversos bailados e entre estes destaca-se o Quebra-Nozes. A narrativa situa-nos numa noite de Natal mágica em que os brinquedos ganham vida própria: bonecas, fadas, guloseimas e soldadinhos, tudo entra em reboliço aos olhos duma menina chamada Clara, cuja fantasia culmina nas mãos dum príncipe, ambos dançando uma valsa rodeados de flores. Música luminosa concebida por um compositor com tendência para a depressão e assumidamente infeliz.
Autor: Richard Wagner (1813-1883) | compositor, maestro e ensaísta alemão, nasceu em Leipzig a 22 de maio de 1813 e faleceu em Veneza a 13 de fevereiro de 1883.
Música selecionada: “A Cavalga das Valquírias“, é o início do ato III, a segunda das quatro óperas de Wagner que compreendem “O Anel dos Nibelungos” [aceder].
Comentário: Wagner é um dos tais compositores que influenciou o mundo das artes para lá da música. O seu recurso a fantasias mitológicas precedeu, por exemplo, o Senhor dos Anéis de Tolkien. A mais importante empreitada de Wagner foi o ciclo de quatro óperas intitulado “O Anel do Nibelungo”. Tal como em Tolkien, também aqui há um anel com poder para corromper os homens. O segundo capítulo desta saga gira em torno de um herói, Siegmund. As Valquírias são cavaleiras mitológicas encarregues de escolher os mais bravos guerreiros em batalha. Depois de mortos, os heróis têm lugar reservado no Valhalla, uma espécie de paraíso no céu. O terceiro ato desta ópera de Wagner abre pois com uma cavalgada das Valquírias em busca do herói Siegmund, acabado de morrer. E quando a história parece chegar finalmente ao fim, sabemos que Sieglinde, a amada de Siegmund, afinal está grávida. O filho chama-se Siegfried e dá o título à ópera seguinte da monumental tetralogia de Wagner.
Autor: Ludwig van Beethoven (1770-1827) | compositor alemão do período de transição entre o Classicismo e o Romantismo, nascido em Bona a 16 de dezembro de 1770 e falecido a 26 de março de 1827 em Viena.
Música selecionada: “Sinfonia n.º 5 em Dó menor Op. 67″, escrita entre 1804 e 1808, é uma das composições mais conhecidas em todo o repertório da Música Erudita sendo também uma sinfonia muito executada hoje em dia [aceder].
Comentário: A 5ª Sinfonia de Beethoven é uma das obras mais representativas de todo o período romântico. Por incrível que pareça, na altura em que começou a ser escrita, em 1804, já o compositor estava surdo, acreditando que tinha por isso os dias contados como músico. Talvez nenhuma outra obra represente tão bem o universo de Beethoven: o contraste de emoções, euforia, depressão, e sobretudo uma dose extra de energia. A vida pessoal de Beethoven não correu de feição. Não se realizou no amor apesar de inúmeras paixões, e deu-se mal com a família, nomeadamente com o sobrinho de quem foi tutor sem sucesso. O rapaz contrariava as normas de disciplina impostas pelo tio até chegarem ao confronto físico. No meio desse turbilhão, Beethoven refugiou-se na música. Interessava-lhe apenas o que pudesse ficar para o futuro, longe da vida comezinha. E conseguiu-o, com o seu condão para revolver ideias feitas, abrindo caminho à magnífica expressão das emoções humanas.
Autor: Richard Georg Strauss (1864-1949) | compositor alemão, nasceu em Munique a 11 de junho de 1864 e faleceu em Garmish-Partenkirchen a 8 de setembro de 1949.
Música selecionada: “Zarathustra”, este poema sinfónico foi composto no ano de 1896, inspirado num tratado filosófico de Nietzsche [aceder].
Comentário: Apesar da sua tendência modernista como compositor, a verdade é que Richard Strauss era conservador e tinha, como alemão, um fervor patriótico que, mais tarde, seduziu inclusivamente o regime nazi. Muitas das suas obras, com grande pendor melódico e estilo empolgante, revelam um brio que se parece com um manifesto. Assim acontece com Zarathustra, um poema sinfónico em homenagem a outra figura da cultura alemã, Friedrich Nietzsche. Para este filósofo, o mundo não é para fracos. Os povos têm que evoluir até se autodeterminarem. A força está naqueles que definem claramente os seus propósitos e têm a coragem de os defender, sob pena de passarem à história. O pendor épico da mensagem agradou aos espíritos mais nacionalistas, sobretudo numa Europa com fronteiras ainda instáveis. Recorrendo a um grande efetivo orquestral reforçado com o brilho dos metais, Strauss soube encarnar essa mensagem, empolgando auditórios inteiros com a sua música.
Autor: Johann Strauss II (1825-1899) | grande compositor austríaco da época romântica, conhecido pelas suas belas valsas, nasceu em Viena a 25 de outubro de 1825 e faleceu na mesma cidade a 3 de junho de 1899.
Música selecionada: “Danúbio Azul – Op. 314″, é uma valsa que estreou no Wiener Männergesangsverein, em 13 de fevereiro de 1867. Fala-nos da beleza do rio Danúbio que atravessa vários países europeus, das suas margens e suas paisagens [aceder].
Comentário: A palavra “valsa” é de origem alemã. “Walzen” significa rodopiar, uma dança que inspirou compositores como Schubert, Chopin ou mais ainda o austríaco Johann Strauss filho (o pai também se distinguiu na música). O compositor inspirou-se num poema dedicado ao Rio Danúbio, não no segmento que atravessa Viena mas sim num troço junto a Baja na Hungria. A primeira versão cantada foi porém adotada desde logo pelos vienenses. Não é que a sua estreia em 1867 tenha sido muito auspiciosa. O tempo contudo encarregou-se de tornar esta valsa numa espécie de hino oficioso da Áustria. Na noite de ano novo, todos os canais da rádio pública austríaca transmitem tradicionalmente esta música após as doze badaladas. Às 9 da manhã do dia 1 de Janeiro há o Concerto de Ano Novo na principal sala de Viena e o Danúbio Azul soa uma vez mais. Strauss compôs outras peças populares, mas nenhuma apela tanto ao sentimento como esta que muitos consideram a rainha de todas as valsas.
Autor: Niccolò Paganini (1782-1840) | compositor e violinista italiano nascido em Génova a 27 de outubro de 1872 e falecido em Nice a 27 de maio de 1840.
Música selecionada: “Caprice em Lá menor, Op. 1 No. 24″, peça de excecional dificuldade, para solo de violino, cuja exigência é tal que, durante muito tempo, foi considerada impossível de tocar, exceto pelo próprio Paganini [aceder].
Comentário: Niccolò Paganini foi, como violinista, talvez a primeira grande estrela global do mundo da música. No início do século XIX os seus recitais, em qualquer ponto da Europa, eram anunciados com grande antecedência e os bilhetes, caríssimos, esgotavam rapidamente. O público sabia que ia assistir a uma extraordinária demonstração de virtuosismo, com peças incrivelmente difíceis de executar implicando malabarismos nunca vistos nas mãos dum violinista. Alguns relatos referem que Paganini revirava os olhos durante os seus recitais, levando o instrumento ao limite, por vezes partindo as cordas uma a uma, e contorcendo-se de tal maneira que parecia possuído pelo Diabo. Um concerto assim era de facto imperdível, e o repertório que Paganini criou para esse efeito passou a estabelecer uma nova fasquia na arte de tocar violino. É o caso dos seus 24 caprichos, dos quais o último se tornou símbolo do infindável rol de técnicas atribuíveis a um violino.
Autor: Marc-Antoine Charpentier (1643-1704) | compositor francês nascido em Paris.
Música selecionada: “Te Deum”, escrito em 1690, foi adotado pela Eurovisão como seu hino [aceder].
Comentário: Charpentier foi o principal impulsionador de música sacra do período barroco em França. O compositor aprofundou o gosto pela música religiosa durante um estágio de três anos em Roma. No regresso a Paris foi contratado pela Duquesa de Guise, prima do Rei Luís XIV. A mecenas concedeu-lhe toda a liberdade para compor o que entendesse. Charpentier aproveitou para abordar vários géneros: ópera, bailado, e até música para teatro, em parceria com o famoso Molière. Por vezes entreteve-se até a conceber canções algo picantes para a época, uma delas intitulada “Auprés du feu l’on fait l’amour”, fazemos amor ao pé da lareira. A vida de Charpentier, porém, foi socialmente discreta. Além de não ter casado, tornou-se conhecido pela sua vida algo espartana e solitária. Após a morte da duquesa, Charpentier passou a trabalhar para os jesuítas, altura em que reforçou o afinco à música sacra, compondo nomeadamente o Te Deum, um grandioso hino de louvor a Deus.
Comentários de João Almeida